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Pequeno Poema Gótico

Numa cidade pequena

no meio do nada, do nada,

No alto de uma colina

Um casa abandonada.


Sem dono, sem cores, sem vida,

Um dia se torna habitada.

Uma velha, louca, mendiga,

Sem eira nem beira, enjeitada.


Faz ali sua moradia,

Faz daquilo o seu lugar.

Vive só, sem companhia,

Mas agora tem um lar.


A cidade não aceita!

De onde veio esta andarilha?

De quem será que ela foge?

Quem será sua família?


E assim, por onde ela passa,

Sua aparência a condena.

Bruxa Velha! Bruxa Velha!

O povo a enxota sem pena!


Mas a velha, que lhe importa?

Não veio atrás de amizade.

Calada, tudo suporta.

Não clama por piedade.


Segue a vida, se isola

Lá no alto da colina.

De dia ninguém lhe procura.

De noite ninguém se aproxima.


Bruxa Velha! Bruxa Velha!

Que mora na casa assombrada.

Chegar perto, ninguém ousa,

Da colina amaldiçoada!


Um dia bateu-lhe à porta

Moça rica da cidade.

Seus cabelos de um ouro 

Qual as jóias que usava.


Filha de um homem tão rico,

Para ela nada faltava.

Mas veio ter com a velha,

Em cada olho, uma lágrima.


Eu sou rica e inteligente,

Linda e bem tratada!

Nada no mundo me falta!

Sou de família abastada!


Nem as coisas mais simples 

Sou eu mesma quem faço:

Tenho empregados a rodo,

Ajudantes pra todo lado!


Mas meu coração é uma pedra

E nada mais me acalma.

O homem a quem eu amo

Deixou-me por outra alma.


Ele não sabe, no entanto,

Que serei mãe de seu filho,

Pois cedi ao seu encanto

Sem colocar empecilho.


A moça é uma vadia!

Se dá por qualquer trocado!

Mas seu corpo os enfeitiça,

Um convite ao pecado!


Venho buscar sua magia,

Dinheiro de sobra lhe trago.

Faço o que for preciso 

Pra consertar o estrago!


A velha ficou parada

Ouvindo o triste relato.

Seu rosto nada dizia,

Seus olhos uns dois buracos.


Quando acabou a menina

A velha riu-se um bocado! 

Mas quando falou fez-se noite

E o vento soprava gelado.


Domino os mistérios da noite!

Comando, conjuro e invoco!

Bato com ferro e açoite!

Espíritos maus eu convoco!


Me faço de gato e de aranha,

Serpente, coruja e bode!

E sei me fazer de donzela,

Ninguém resiste aos meus dotes!


Encanto, enfeitiço, assombro, 

Me viro, desviro e sumo,

Mas parir amor verdadeiro,

Isso já é outro assunto.


Não é só dinheiro que paga

Se tens sentimento profundo.

Não basta seu ouro e sua prata,

Terás que ir bem mais fundo.


Deixarás um pedaço de vida.

Sua alma entra na dança.

O feitiço deixa que eu faço

E terás um pai pra criança.


Com minha magia profana,

Te livro dos seus embaraços.

E em menos de uma semana

Ele estará em seus braços!


Nem piscou a menina,

Seu ódio falou bem mais alto.

Aquiesceu na surdina,

Ficou selado o trato.


Voltou para casa correndo,

Coração acelerado!

Sabia o que estava fazendo,

O jogo estava jogado!


Mas já se contavam seis dias

E nenhum sinal do amado.

Parte furiosa a menina

A cobrar pelo resultado!


Bruxa Velha! Bruxa Velha!

Foi tudo uma cilada?

O que você vai fazer 

Para honrar a minha paga?


A porta abriu com estrondo,

A velha saiu desvairada!

Quem pensava que era

Pra falar-lhe assim alterada?


Eu ordenei, não foi prece!

A coisa está resolvida!

Amanhã este homem aparece,

Ficará pelo resto da vida!


Com tristeza e desalento

E sem ter certeza de nada,

Voltou para casa a moça,

Foi dormir de madrugada.


O dia raiou sonolento.

Silêncio, tudo parado.

Como se o mundo aguardasse 

Que do nada surgisse algum fato.


Ela acorda, vê o Sol.

Lá fora é lindo o dia.

Se veste, sai pra varanda,

Com certa melancolia.


Sete dias, nada feito.

Mas que ilusão a minha!

Achar que uma velha mendiga

Minha sorte mudaria!


Mas quem vem lá, à cavalo?

É branca sua montaria!

Mas o vermelho do lado?

É sangue! Santa Maria!


Reconhece seu amado,

Mesmo caído, sangrando.

Tem seu pescoço cortado!

Corre pra ele chorando!


Seu corpo inerte e frio, 

Seu sangue coagulado.

Não podia, não esperava

Ver tão horrível retrato!


Traída, enganada, que tola,

Pela velha desalmada!

Que entregara o prometido

Mas da forma mais errada!


Ali estava seu homem,

Chegara no sétimo dia.

Podia estar em seus braços,

Mas morto de que lhe servia?


Não sabia porém a menina

Que mal se iniciava sua sina!

Pois além do ouro e das jóias,

Entrara no acerto sua vida.


Sua pele que era um veludo,

Lisa, clara, imaculada,

Foi tomada por mil feridas,

Por pus, caroços e larvas!


De seus olhos de turmalina,

O sangue agora brotava

E seu cabelo tão lindo

Caia enquanto ela andava!


A moça, tão educada,

De porte altivo, elegante,

Andava agora encurvada,

Frágil, torta, errante.


Levou suas mãos à barriga

Tentando se proteger.

Temendo pelo seu filho,

No seu ventre a crescer.


Seu pai que havia chegado

E a tudo assistia calado,

Ao ver o horror deste quadro

Lhe fez ali mesmo saber:


Saía daqui sua cadela!

Podes apodrecer!

Este filho é um disparate

Que eu não quero ver nascer!


Te deserdo agora e pra sempre,

Não quero mas ver-te por perto!

Pois o ser que carregas no ventre

Nunca será o meu neto!


E foi-se embora o velho,

Sem dor ou arrependimento.

E a moça, só, destroçada,

Chorava baixinho ao vento.


O povo que havia chegado

Ao ouvir os choros e brados,

Curioso com tal espetáculo,

Olhava pro ser em farrapos.


O homem morto nos braços

Daquele ser repugnante!

Demorou só um instante

Até alguém dizer:


Bruxa Velha, Bruxa Velha!

Pega a pedra! Acerta nela!

Assassina! Monstro! Besta!

Tá na hora de morrer!


Então a menina, acossada,

Sentido o perigo iminente,

Levantou-se, encarquilhada

E correu daquela gente!


A multidão, louca, irada,

Perseguia a aleijada, 

Com foice, cutelo e facão,

Pedra, tesoura e adaga!


A pobre, apavorada,

Fugia, fugia em vão!

Pra onde quer que virava, 

Uma arma em cada mão!


E então ela viu a colina,

A casa da velha em cima.

Sua algoz, sua assassina

Para lá se encaminhou.


Subiu como pode o monte

E ao estar ali defronte,

Com força gritou o seu nome!

A porta depressa se abriu.


De dentro da casa sombria

Surge a velha, encara a moça,

Como quem olha uma poça,

Sua imagem a refletir.


Lhe estende a mão enrugada

E diz com a voz embargada:

Espero que minha morada 

Possa agora lhe servir!


A moça, em seu desespero,

Aceita o abrigo e ligeiro,

Atravessa a porta e se esconde,

Mergulhando na escuridão!


O povo já cerca a casa

E reforça a ameaça:

Se a esconde sobre sua asa

Farás parte desta desgraça!


Bruxa Velha, Bruxa Velha

Não mais uma, duas são!

A matamos, as matamos!

Se acaba a maldição!


Eis então que a Bruxa Velha, 

encarando a multidão,

Abre a boca e diz palavras

longe da compreensão!


Surgem nuvens, nuvens negras,

Sem qualquer explicação!

Ventos fortes, raios, chuva

e mil tremores no chão!


A turba, que era valente,

Ao se ver em tal ambiente,

Foge dali bem depressa,

Corre sem direção!


Deixam pra trás seus parentes,

Pisam em quem está na frente,

Tratam de achar um caminho,

Berrando uma oração!


E assim se foram todos,

Para nunca mais voltar!

Ali moravam as bruxas,

Melhor não importunar!


E quando a luz do dia

Iluminava a colina,

De longe ainda se via

Um garotinho a brincar.


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